Pediatra aponta descaminhos da criança "terceirizada"
 

Ao longo da história e em diversas culturas, as crianças foram colocadas em posições extremamente desfavoráveis na escala social.

Na Grécia Antiga, os pais tinham o direito de assassinar os filhos que nasciam com deficiência física. Aos sete anos, os meninos eram treinados e enviados para defender o exército espartano nos campos de batalha.

Na França, os ideais da Revolução serviam apenas aos adultos. Os pequenos desvalidos eram colocados em carroças e transportados em condições desumanas para o interior do país. Os que sobreviviam à viagem eram abandonados.

Atualmente, as crianças seguem sendo vítimas de uma série de violências e descuidos. Por conta da necessidade de subsistência das famílias, por exemplo, pais e mães dispõem cada vez menos de tempo para conviver com seus filhos. A alternativa mais comum, nesse caso, tem sido entregá-los à guarda de parentes, vizinhos ou conhecidos, que nem sempre estão preparados para cumprir tal tarefa. Em outros termos, há uma tendência em curso de "terceirizar" as crianças.

Esses e outros temas relativos ao desenvolvimento na infância são tratados em profundidade no livro A Criança Terceirizada - Os descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo, lançado pelo médico pediatra e ex-reitor da Unicamp, José Martins Filho.

A obra, dirigida ao público em geral, mas especialmente aos pais, faz uma reflexão sobre a realidade atual das crianças. Faz, ainda, uma provocação aos casais que têm ou pretendem ter filhos. "A pergunta que eu deixo para os leitores é: será que eles se prepararam ou estão se preparando adequadamente para essa missão? Em outras palavras, será que antes da gravidez o homem e a mulher costumam se perguntar se querem mesmo ser pai e mãe e o quanto essa decisão vai interferir em suas vidas?", indaga o autor. De acordo com o pediatra, os casais precisam ter claro que um filho é uma dádiva, mas que também dá muito trabalho. A maternidade e a paternidade requerem, entre outros quesitos, dedicação, noites em claro e o estabelecimento de uma estrutura mínima emocional, afetiva e material.

Martins Filho explica que o primeiro ano de vida da criança é extremamente importante no que se refere ao seu desenvolvimento físico e psíquico. "Tudo o que acontece nesse período tende a ter reflexo no restante da vida de uma pessoa", afirma. Dessa forma, prossegue o ex-reitor da Unicamp, os cuidados por parte dos pais devem ser redobrados nessa etapa. A amamentação e o contato físico com a mãe, por exemplo, são fundamentais. Justamente por isso o pediatra se diz favorável à ampliação da licença-maternidade de quatro para seis meses, cujo projeto de lei está em discussão no Congresso Nacional. "Em alguns países nórdicos, esse tipo de licença é de dois anos. Nesse caso, os custos são arcados pelo governo e não pelas empresas. O interessante é que se a mulher precisar ou quiser voltar ao trabalho ao final do primeiro ano, o pai pode gozar o restante da licença no lugar dela, de modo a continuar prestando assistência integral ao filho".

Embora reconheça que o modelo ainda está distante da realidade brasileira, Martins Filho considera que esse tipo de iniciativa deve ao menos ser discutida. Assim como deve ser debatida, em sua opinião, a conveniência de a mãe trabalhar apenas meio período nos primeiros anos de vida dos filhos. "É óbvio que isso traria impacto na renda familiar, mas os pais devem considerar essa hipótese. O que não pode continuar acontecendo é a entrega dos filhos para parentes, vizinhos ou babás que não estão preparados para cuidar adequadamente das crianças", afirma. Além de tratar desses assuntos, o autor também faz um resgate da situação das crianças ao longo da história, como os episódios registrados no início deste texto. A mensagem final do livro talvez pudesse ser resumida na seguinte frase: mais do que falar sobre os direitos das crianças, o momento é de assegurá-los na prática, sob pena de nos arrependermos no futuro.

Texto: Manuel Alves Filho
Fonte: Jornal da Unicamp

 

 
 
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