Musculação - Ponto de Vista O número ideal de repetições
Se eu lhe perguntasse qual o
número ideal de repetições para se obter hipertrofia o que você me responderia?
Seria 10? Ou 8? Algo em torno de 12?
Infelizmente muita gente ainda acredita em um número lendário de repetições
considerado ideal. Quem nunca fez uma série de "três de dez" (3 X 10)? Parece
que há um limite mágico a partir do qual a hipertrofia começa a surgir
(geralmente 8) e acima do qual ela magicamente é interrompida (normalmente 12),
parece que o músculo possui um contador implacável acionando os sinais de
hipertrofia quando se supera a sétima repetição e os interrompendo a partir da
décima terceira.
Definitivamente o referido contador não existe, e esta rigidez numérica é
totalmente desprovida de comprovações confiáveis.
Não me entendam mal, o número de repetições é um fator fundamental, mas jamais
deve ser analisado isoladamente dentro do complexo contexto que origina a
hipertrofia muscular, para sermos mais precisos devemos analisar a velocidade da
contração tanto excêntrica quanto concêntrica, tempo de pausa na contração e no
alongamento, ênfase dada em determinados ângulos etc... A fim de ilustrarmos o
contexto multifatorial seguem dois exemplos (pense na rosca bíceps direta
realizada com o protocolo clássico de 3 x 10, variando a carga de acordo com
série):
1. Na primeira série imagine-se levando um segundo para realizar cada repetição,
na segunda aumente o tempo de cada repetição para 6" e na terceira suba para
15". No primeiro caso sua série estaria acabada em 10 segundos, no seguinte ela
levaria 1 minuto, já no último você demoraria algo em torno de 2 minutos e meio.
Aqui
há notáveis diferenças entre as vias metabólicas necessárias para manter o
exercício, no primeiro caso recorreria-se prioritariamente à via anaeróbia
alática (utilizando prioritariamente os fosfatos de alta energia), já a segunda
série entraria em maiores escalas no metabolismo anaeróbio de glicídios,
provavelmente aumentando as concentrações de lactato e reduzindo o pH, e o
terceiro provavelmente já começaria a entrar no metabolismo oxidativo. Do ponto
de vista neuromuscular os três protocolos produzirão diferentes estímulos e
distintos padrões de recrutamento das unidades motoras. Portanto ocorreriam
adaptações diferenciadas para cada caso.
2. Agora imagine que você sempre leva 6 segundos para realizar cada repetição,
sendo que na primeira série "sobe" o peso em 1 segundo e o "desce" no mesmo
tempo, mantendo o peso na posição de descanso durante os 4" restantes, na série
seguinte a cadência seria de 1 segundo na subida e 5 na descida, com o contrário
na terceira 5" para subir e 1" para descer ambas sem nenhum descanso na fase
inicial/final do movimento.
Aqui
teríamos novamente três trabalhos distintos, com diferentes respostas
adaptativas bioquímicas e morfológicas.
Sim, creio que consegui convencê-los que existem diferenças entre as diversas
maneiras de executar um movimento, mas (o que realmente interessa) como
manipular tudo isto para ficar "grande"? Bem... Sinto decepcioná-lo, mas não
posso dar a fórmula mágica (nem vendê-la), não...não pare de ler o texto e nem
apague minha página da sua lista de favoritos, permita-me explicar.
Antes de sair por aí dizendo que existe um número ideal de repetições para
hipertrofia é necessário que se conheça os prováveis mecanismos de hipertrofia
(não se preocupe, não vou explicar isso detalhadamente....agora).
Respostas hormonais
Tempos de contração moderados a altos e descasos curtos entre as séries produzem
maiores picos de GH, porém lembre-se que é discutível a influência deste
hormônio na hipertrofia muscular. Já os treinos de cargas altas com períodos
longos de descanso, liberam maiores quantidades de testosterona (KRAEMER et al,
1990).
Hidratação celular (HÄUSSINGER, et al, 1993; WALDEGGER, et al, 1997; MILLAR ; et
al, 1997)
Para que se consiga um melhor fluxo sangüíneo local é recomendável não prolongar
muito os descansos e manter tempos de contração suficientes para originar os
desequilíbrios na homeostase necessários a ocorrência desta reação (diminuição
do pH, elevação do lactato...).
Microlesões
(RUSSELL et al, 1992; SCHULTZ et al, 1995)
As microlesões são geradas principalmente por contrações excêntricas, então
"SEGURE A DESCIDA!". Agora algumas pequenas provocações: pergunte-se (e a pessoa
que lhe falou sobre o assunto):
1) Por que as contrações excêntricas geram mais microlesões? Supondo que as
microlesões causam hipertrofia ("através da supercompensação")
2) Por que cada vez que você se machuca (por exemplo um rompimento, distensão,
corte...) esta supercompensação não é visível?
3) Seria, então, possível induzir hipertrofia por outros meios (impactos,
cortes...)?
4) Como uma lesão pode gerar esta supercompensação?
TEMPO DE
CONTRAÇÃO X REPETIÇÕES
Note que eu falei em tempo de contração e não repetições, prefiro usar este
termo e livrar-nos desta prisão algébrica e da famigerada 3x10. Muitos autores
atribuem a hipertrofia ao tempo em que o músculo permanece sob tensão e não
somente a determinados algarismos. Segundo VERKHOSHANSKY (2000) "a chave para o
tamanho muscular é levantar um peso de cerca de 80% do máximo por 8-12
repetições durante 40-60 segundos" (p.27).
POLIQUIN por exemplo, refere-se a tempos entre 20 e 70 segundos como ideais para
ganhos de massa muscular. Este autor propõe uma perspectiva de análise onde
leva-se em conta o tempo da fase excêntrica, da pausa e da fase concêntrica, por
exemplo, realizar agachamento com 3 séries de 6 repetições com tempo 321,
significa que você levaria 3 segundos para descer, pararia no "fundo" do
agachamento durante 2 segundos e subiria em 1 segundo (o primeiro digito se
refere a fase excêntrica o segundo a pausa e o terceiro a fase concêntrica).
Conclusão
Esqueça a fórmula mágica, esqueça "o número ideal de repetições", esqueça o que
você leu em revistas "especializadas" e esqueça as séries imutáveis.
Para alcançar seus objetivos é imprescindível usar racionalmente todas as
estratégias. Segundo boa parte dos verdadeiros especialistas tempos de contração
próximos a 60 segundos, com repetições durando entre 4 e 6 segundos (tempos 301
a 402) seriam indicados para compor a maior parte da elaboração dos treinamentos
de hipertrofia, porém esta metodologia não deve ser a única.
Prender-se a números de repetições pode até prejudicar seu desenvolvimento. O
segredo está em manipular todas as variáveis de acordo com o músculo,
características individuais e o objetivo do treino. Deve-se organizar tudo
adequadamente dentro de um planejamento a curto prazo, que deve estar
devidamente estabelecido no planejamento de médio prazo, o qual por sua vez é
componente do planejamento a longo prazo. A montagem e prescrição de séries são
fatores muito complexos e o menor detalhe deve ser visto sempre como componente
desta estrutura intrincada e potencialmente instável, o sucesso tem muito a ver
com o conhecimento e manipulação destas variáveis, daí a importância de ter um
bom profissional lhe acompanhando.
Referência Bibliográfica
HÄUSSINGER D, et al, Cellular hydration
state: an important determinant of protein catabolism in health and disease.
Lancet, 341(8856):1330-2 1993 May 22;
KRAEMER WJ et al. Hormonal and growth factors response to heavy resistance
training protocols. J Appl Physiol. 69(4): 1442-1450, 1990
MILLAR ID ; et al, Mammary protein synthesis is acutely regulated by the
cellular hydration state. Biochem Biophys Res Commun, 230 (2):351-5 1997 Jan
13
POLIQUIN, C. The Poliquin Principles. Dayton Writers Group, California, 1997
RUSSELL B, et al. Repair of injured skeletal muscle: a molecular approach.
Med Sci Sports Exerc 1992 Feb;24(2):189-96).
SCHULTZ E, et al. Effects of skeletal muscle regeneration on the
proliferation potential of satellite cells. Mech Ageing Dev 1985 Apr;30(1):63-72.
VERKHOSHANSKI, Y.V. Hipertrofia Muscular: Body-building. Editora Ney
Pereira, Rio de Janeiro, 2000.
WALDEGGER S, et al, Effect of cellular hydration on protein metabolism. Miner
Electrolyte Metab, 23(3-6):201-5 1997;
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