Musculação - Ponto de vista Agachamento
|
Elke Oliveira
Membro do Gease
Coordenadora Academia Malhart
Personal trainer
Paulo Gentil
Presidente do Gease
Coordenador de musculação da Academia Resistência Física
Treinador de força da triatleta Mariana Ohata
Treinador da equipe profissional do Gama de basquete |
O agachamento é um dos
exercícios mais completos que podem ser realizados dentro das academias, pois
envolve um elevado número de articulações e músculos, consistindo em um
excelente meio de fortalecer os músculos da coxa, do quadril e outros inúmeros
coadjuvantes que atuam na realização do movimento. Estes e outros fatores levam
treinadores e atletas do mundo todo a se referirem a ele como o "rei dos
exercícios".
Além disso, é um exercício
extremamente funcional, pois usamos esse tipo de movimento constantemente em
nossas atividades diárias como, por exemplo, sentar e levantar de uma cadeira ou
pegar um objeto no chão. Mesmo assim ainda há quem o proíba ou restrinja seu uso
sem uma explicação plausível, principalmente limitando sua amplitude em 90° de
flexão dos joelhos.
Jamais devemos esquecer que nossas estruturas musculares e articulares
adaptam-se de forma extremamente específica aos movimentos, por exemplo, uma
pessoa que usa movimentos muito curtos pode se lesionar em um movimento
cotidiano pelo simples fato de não treinar um determinado ângulo de movimento
necessário nesta atividade do dia a dia. Neste sentido a limitação da amplitude
do agachamento, além de reduzir a eficiência do exercício, pode reduzir a
funcionalidade de uma pessoa em seus movimentos cotidianos como, por exemplo,
pegar um objeto pesado no chão.
Este artigo trata do verdadeiro agachamento que muitos chamam de agachamento
profundo.
Joelho
Historicamente, a tentativa de condenar agachamentos foi iniciada com um estudo
militar dos anos 60, o qual sugeriu danos as estruturas articulares devido a
realização deste exercício. Porém o estudo tinha pára-quedistas em sua amostra,
uma população exposta a lesões nos joelhos devido à suas atividades diárias, o
que não foi levado em consideração.
Segundo alguns conceitos, o agachamento profundo é perigoso porque ao flexionar
o joelho em ângulos maiores que 90° aumenta-se perigosamente a tensão na patela,
de modo que este movimento deveria ser banido. A maioria dos "especialistas",
porém, analisam o agachamento pensando somente no quadríceps e se esquecem que
na fase profunda do agachamento os músculos posteriores da coxa são fortemente
ativados ajudando a neutralizar a temida tensão exercida na patela.
Já foi afirmado em alguns estudos, que as estimativas de valores altos da
"tensão" em ligamentos e ossos verificados nos agachamentos, eram devidos aos
modelos biomecânicos que foram utilizados, desta forma deve-se analisar com
cautela todas as pesquisas anteriores a 1998 sobre o tema (ESCAMILA,
1998). Um estudo feito por ISEAR et al em 1997 concluiu que durante o
agachamento, os isquiotibiais produzem uma força de vetor direcionado para trás,
compensando a atuação do quadríceps, em um processo denominado co-contração, que
contribui para estabilizar os joelhos durante o movimento.
Estudos de curto e longo prazo não verificaram frouxidões, instabilidades ou
lesões nos joelhos após a realização de um treino de agachamentos (NEITZE
et al, 2000; MEYERS, 1971; PANARIELLO et al, 1994). Já em 1971,
MEYERS conduziu um estudo de 8 semanas, evolvendo agachamentos profundos e
paralelos em diferentes velocidades e verificaram que nenhuma das variações
afeta a estabilidade dos joelhos. Outro estudo foi realizado por PANARIELLO
et al em 1994, onde foram analisados os efeitos de um treino de agachamentos na
estabilidade dos joelhos de jogadores de futebol americano. Ao final de 21
semanas, não foi detectado nenhum prejuízo na estabilidade dos joelhos. É
importante ressaltar que levantadores de peso, tanto olímpicos quanto basistas,
realizam agachamentos com amplitude completa e sobrecargas elevadíssimas e
possuem os joelhos mais estáveis que a grande maioria dos indivíduos (CHANDLER
et al 1989).
Em 1961, KLEIN publicou um estudo onde se afirma que o agachamento
profundo afetaria negativamente a estabilidade dos joelhos. Para chegar a esta
conclusão o autor analisou diferentes grupos de atletas e depois procurou dar
suporte às suas conclusões através de análises cadavéricas, segundo o autor os
ligamentos colaterais ficam expostos a tensão excessiva durante o agachamento
profundo, além de ocorrer uma rotação natural do fêmur sobre a tíbia que poderia
causar compressão dos meniscos, fato que também é usado por RASCH para
condenar o agachamento profundo. Porém a significância destes fatos e nem sua
ocorrência foram verificadas in vivo.
Dentre os fatores analisados na articulação do joelho podemos ressaltar o
ligamento cruzado anterior, ligamento cruzado posterior, a patela e as forças
compressivas.
Ligamento cruzado anterior
Em pesquisa realizada por YACK et al (1993) concluiu-se que o agachamento
minimiza a tendência de deslocamento anterior da tíbia, sendo mais indicado, em
comparação com a mesa extensora diante de lesões no ligamento cruzado anterior.
Diversos autores também corroboram com essa afirmação, é o caso de um estudo
feito por MORE et al (1993) onde se conclui que os isquiostibiais atuam
sinergisticamente com o ligamento cruzado anterior na estabilização anterior do
joelho durante a realização do agachamento, o que leva os autores a considerarem
esse exercício útil na reabilitação de lesões no ligamento cruzado anterior. De
acordo com ESCAMILLA (2001) o agachamento produz menor tensão nesta
estrutura que atividades consideradas seguras, como a caminhada .
Durante o agachamento, a tensão no ligamento cruzado anterior só é significativa
entre 0 e 60° de flexão, sendo que seu pico mal atinge ¼ da capacidade deste
ligamento resistir a tensão (+/- 2000 N), mesmo com cargas superiores a 200
quilos (NISSEL & EKHOLM, 1986).
Ligamento cruzado posterior
Em um estudo feito por MACLEAN et al em 1999, foram analisados dois
grupos: um composto por indivíduos sedentários saudáveis e outro por atletas
lesionados no ligamento cruzado posterior. O objetivo era verificar se um treino
de agachamento era eficaz na melhora da função, ganho de força e sintomatologia
(no caso dos indivíduos com lesão). Depois de 12 semanas, observou-se aumento de
funcionalidade no grupo lesionado, concluindo que o treinamento de agachamento é
viável para reabilitar insuficiências crônicas do ligamento cruzado posterior.
Dificilmente será imposta ao ligamento cruzado posterior uma tensão maior que
sua capacidade, tendo em vista que mesmo ao realizarmos agachamentos profundos
com mais de 380 quilos, não se chega nem a 50% de sua capacidade de suportar
tensão (RACE & AMIS, 1994).
Patela
Em 2000 WITVROUW et al
compararam a eficiência dos exercícios de cadeia cinética fechada (agachamento)
com os de cadeia cinética aberta (extensora de perna) no tratamento de dores
patelofemorais. De acordo com os dados, apesar de ambos os protocolos serem
eficientes, os melhores resultados foram proporcionados pelos exercícios de
cadeia cinética fechada.
A tração do tendão patelar chega a 6000 em 130° de flexão de joelhos com um
agachamento de 250 quilos (NISSEL & EKHOLM, 1986) cerca de 50% do
valor máximo estimado para esta estrutura, que varia de 10000 a 15000 N (ESCAMILLA
2001).
Forças compressivas
As forças compressivas chegam próximas a 8000 N durante o agachamento com cargas
elevadas (250 a 382,50 kg), sendo praticamente a mesma nos ângulos entre 60 a
130 de flexão de joelhos (NISSEL & EKHOLM, 1986), porém ainda não
foi estudado um valor limite para as estruturas resistirem a forças
compressivas. Deve-se lembrar, no entanto, que da mesma forma que a compressão
excessiva pode ser lesiva para meniscos e cartilagens, elas tem um papel
importante na estabilidade dos joelhos (NISSEL & ELKHOLM, 1986;
MARKOLF et al, 1981; SHOEMAKER & MARKOLF, 1985; YACK et
al, 1994.
ZHENG et al, 1998 verificou um pico de força compressiva patelofemoral no
agachamento de cerca de 3134 N, no leg press, 3155 N e na extensão 3285 N, não
havendo diferença estatística entre os exercícios. Os autores alertaram que
estudos anteriores superestimavam as forças compressivas patelofemorais por não
levar em conta a co-ativação dos antagonistas e a curva de comprimento-tensão.
Conclusões
1. As
forças tensionais e compressivas desse tipo de exercício estão totalmente dentro
de nossas capacidades fisiológicas e articulares. Se durante os treinos forem
respeitados os fundamentos científicos que norteiam o treinamento de força com
ênfase na técnica perfeita de execução, com certeza as estruturas ósseas e
articulares estarão sendo preparadas para isso.
2. Não
podemos generalizar e deixar que todos os indivíduos realizem a prática
indiscriminada de agachamentos. Em casos de lesões o ideal é fazer um tratamento
onde, profissionais de ortopedia e educação física trabalhem juntos analisando
cada caso.
1..
Para realizarmos o movimento completo (agachar mais profundo), é inevitável que
se use uma menor quantidade de peso (sobrecarga absoluta), sendo assim, por mais
que haja maior tensão em estruturas do joelho e coluna para a mesma carga, deve
perguntar até que ponto isto é significativo em relação a sobrecarga utilizada
e, principalmente, em relação ao trabalho da musculatura da coxa e quadril?
Deve-se ter em mente que quando se agacha com amplitude limitada se usa cargas
bem mais altas, o que pode levar a um aumento ainda maior das forças tensionais
e compressivas.
2..
A amplitude do agachamento é muito importante, pois conforme se aumenta a flexão
do joelho ("profundidade") aumentam-se as ações musculares. O que não pode
acontecer, é o individuo durante a fase excêntrica (principalmente quando o
ângulo começa a ficar menor que 90 graus) deixe o movimento "despencar", pois
desta forma as tensões que deveriam estar sobre a musculatura, irão se incidir
nas estruturas articulares do joelho (ESCAMILA et al, 2001).
3..
Parece que ângulo de 90 graus, sugerido por diversos autores e treinadores, foi
criado pela imaginação destas pessoas, uma vez que grande parte dos estudos e
recomendações limitando o movimento se referem ao "agachamento paralelo",
realizado até que as coxas fiquem paralelas ao solo, o que gera amplitudes
maiores que 90 graus de flexão dos joelhos. Portanto, não se fixe a este ângulo!
4..
Pesquisas mostrando aumento no torque, tensão e força eles não significam que
este exercício necessariamente se torna perigoso ao joelho. Mas sim que esses
parâmetros aumentaram, e só. As análises feitas, com agachamentos profundos,
pelo que consta não mostraram nenhum prejuízo para o joelho. As lesões
geralmente são causadas pela combinação de 3 variáveis: excesso de peso,
overtraining e técnica inapropriada. Com treinos progressivo e inteligente os
agachamentos profundos certamente são seguros e eficientes.
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