Posição Oficial da SBME Atividade Física e Saúde na Infância e Adolescência
José Kawazoe Lazzoli, Antonio
Claudio Lucas da Nóbrega, Tales de Carvalho, Marcos Aurélio Brazão de Oliveira, José
Antônio Caldas Teixeira, Marcelo Bichels Leitão, Neiva Leite, Flávia Meyer, Félix
Albuquerque Drummond, Marcelo Salazar da Veiga Pessoa, Luciano Rezende, Eduardo Henrique
De Rose, Sérgio Toledo Barbosa, João Ricardo TurraMagni, Ricardo Munir Nahas, Glaycon
Michels e Victor Matsudo
INTRODUÇÃO
Um estilo de vida ativo em adultos
está associado a uma redução da incidência de várias doenças crônico-degenerativas
bem como a uma redução da mortalidade cardiovascular e geral. Em crianças e
adolescentes, um maior nível de atividade física contribui para melhorar o perfil
lipídico e metabólico e reduzir a prevalência de obesidade. Ainda, é mais provável
que uma criança fisicamente ativa se torne um adulto também ativo. Em conseqüência, do
ponto de vista de saúde pública e medicina preventiva, promover a atividade física na
infância e na adolescência significa estabelecer uma base sólida para a redução da
prevalência do sedentarismo na idade adulta, contribuindo desta forma para uma melhor
qualidade de vida. Nesse contexto, ressaltamos que a atividade física é qualquer
movimento como resultado de contração muscular esquelética que aumente o gasto
energético acima do repouso e não necessariamente a prática desportiva.
Este documento, elaborado por médicos
especialistas em exercício e esporte, baseia-se em conceitos científicos e na
experiência clínica, tendo como objetivos:
1) estabelecer os benefícios da
atividade física na criança e no adolescente;
2)Caracterizar os elementos de
avaliação e prescrição do exercício para a saúde nessa faixa etária;
3) estimular a recomendação e a
prática da atividade física nas crianças e adolescentes, mesmo na presença de doenças
crônicas, visto que são raras as contra-indicações absolutas.
ASPECTOS
EPIDEMIOLÓGICOS
O avançar da idade é acompanhado de
uma tendência a um declínio do gasto energético médio diário à custa de uma menor
atividade física. Isso decorre basicamente de fatores comportamentais e sociais como o
aumento dos compromissos estudantis e/ou profissionais. Alguns fatores contribuem para um
estilo de vida menos ativo. A disponibilidade de tecnologia, o aumento da insegurança e a
progressiva redução dos espaços livres nos centros urbanos (onde vive a maior parte das
crianças brasileiras) reduzem as oportunidades de lazer e de uma vida fisicamente ativa,
favorecendo atividades sedentárias, tais como: assistir a televisão, jogar videogames e
utilizar computadores.
Existe associação entre sedentarismo,
obesidade e dislipidemias e as crianças obesas provavelmente se tornarão adultos obesos.
Dessa forma, criar o hábito de vida ativo na infância e na adolescência poderá reduzir
a incidência de obesidade e doenças cardiovasculares na idade adulta. A atividade
física também pode exercer outros efeitos benéficos a longo prazo, como aqueles
relacionados ao aparelho locomotor. A atividade física intensa, principalmente quando
envolve impacto, favorece um aumento da massa óssea na adolescência e poderá reduzir o
risco de aparecimento de osteoporose em idades mais avançadas, principalmente em mulheres
pós-menopausa.
FISIOLOGIA DO
EXERCÍCIO
Os princípios gerais que regem as
respostas do organismo ao exercício e ao treinamento são os mesmos para crianças,
adolescentes e adultos. Por outro lado, existem particularidades da fisiologia do esforço
em crianças que decorrem tanto do aumento da massa corporal (crescimento) quanto da
maturação, que se acelera durante a puberdade (desenvolvimento).
Em relação à potência aeróbica,
ocorre um aumento do consumo máximo de oxigênio (VO2max) em termos absolutos ao longo da
idade, com maior aceleração em meninos do que em meninas. Esse aumento do VO2max está
intimamente relacionado ao aumento da massa muscular, de forma que se considerarmos o
VO2max corrigido por indicadores de massa muscular, não existe aumento com a idade em
crianças e adolescentes do sexo masculino (VO2max/kg peso corporal permanece constante),
enquanto ocorre um declínio progressivo em meninas (diminuição do VO2max/kg peso
corporal).
A potência anaeróbica aumenta em
função da idade em proporção maior do que o aumento da massa muscular, evidenciando um
efeito da maturação sobre o metabolismo anaeróbico. A potência anaeróbica não difere
entre meninos e meninas pré-púberes, mas cresce proporcionalmente mais em meninos a
partir da puberdade. Assim sendo, o aumento da potência anaeróbica deve-se tanto à
maior massa muscular, quanto ao efeito da maturação hormonal sobre as características
funcionais do músculo esquelético. Ainda, a capacidade de produzir lactato é menor na
criança do que no adulto, sendo um dos motivos pelos quais ela se recupera mais
rapidamente após exercícios de alta intensidade e curta duração, estando pronta para
um novo exercício mais precocemente. Outra característica que se desenvolve com a
maturação sexual é o potencial de tamponamento da acidose muscular, que aumenta com a
idade, permitindo a realização de exercícios láticos mais intensos.
Existem características da
termorregulação da criança que devem ser destacadas. A velocidade de troca de calor com
o meio é maior nas crianças do que em adultos, uma vez que possuem maior superfície
corporal por unidade de massa corporal. Assim sendo, não só a perda de calor em
ambientes frios, mas também o ganho de calor em climas muito quentes são mais acelerados
em crianças, aumentando o risco de complicações. Como agravamento, a criança tende a
ter menos sede do que o adulto, levando mais facilmente a desidratação e conseqüente
redução da volemia, com prejuízo do desempenho e do mecanismo de termorregulação.
AVALIAÇÃO
PRÉ-PARTICIPAÇÃO
Do ponto de vista de saúde pública,
as crianças e adolescentes aparentemente saudáveis podem participar de atividades de
baixa e moderada intensidade, lúdicas e de lazer, sem a obrigatoriedade de uma
avaliação pré-participação formal. É importante que algumas condições básicas de
saúde - como uma nutrição adequada - estejam atendidas para que a atividade física
seja implementada.
Quando o objetivo é a participação
competitiva ou atividades de alta intensidade, uma avaliação médico-funcional mais
ampla deve ser realizada, incluindo avaliação clínica, da composição corporal, testes
de potência aeróbica e anaeróbica, entre outros. A avaliação pré-participação tem
como objetivo básico assegurar uma relação risco/benefício favorável e deve
considerar seus objetivos, a disponibilidade de infra-estrutura e de pessoal qualificado.
O risco de complicações cardiovasculares na criança é extremamente baixo, exceto
quando existem cardiopatias congênitas ou doenças agudas. A presença de algumas
condições clínicas exige a adoção de recomendações especiais e devem ser
identificadas e quantificadas, tais como a asma brônquica, a obesidade e o diabetes
melito.
Do ponto de vista do aparelho
locomotor, sabe-se que os ossos de uma criança ainda estão em formação em geral até o
final da segunda década. As placas de crescimento são vulneráveis a lesões por
traumatismos agudos e overuse. Dessa forma, devem ser identificadas características
anatômicas e biomecânicas que possam facilitar a ocorrência dessas lesões.
PRESCRIÇÃO
O objetivo principal da prescrição de
atividade física na criança e no adolescente é criar o hábito e o interesse pela
atividade física, e não treinar visando desempenho. Dessa forma, deve-se priorizar a
inclusão da atividade física no cotidiano e valorizar a educação física escolar que
estimule a prática de atividade física para toda a vida, de forma agradável e
prazerosa, integrando as crianças e não discriminando os menos aptos.
A competição desportiva pode trazer
benefícios do ponto de vista educacional e de socialização, uma vez que proporciona
experiências de atividade em equipe, colocando a criança frente a situações de
vitória e derrota. Entretanto, o objetivo de desempenho, principalmente quando há
excessivas cobranças por parte de pais e treinadores, pode trazer conseqüências
indesejáveis, como a aversão à atividade física. Por essa razão, o componente lúdico
deve prevalecer sobre o competitivo quando da prescrição de atividade física para as
crianças. Igualmente importante é oferecer alternativas para a prática do desporto, de
forma a contemplar os interesses individuais e o desenvolvimento de diferentes habilidades
motoras, contribuindo para o despertar de talentos.
Um programa formal de atividade física
deve treinar pelo menos três componentes: aeróbico, força muscular e flexibilidade,
variando a ênfase em cada um de acordo com a condição clínica e os objetivos de cada
criança. Quando o objetivo é o condicionamento aeróbico, a prescrição deve contemplar
as variáveis tipo, duração, intensidade e freqüência semanal, obedecendo os
princípios gerais de treinamento. O treinamento muscular deve ser realizado com cargas
moderadas e maior número de repetições, valorizando o gesto motor, uma vez que este
tipo de atividade contribui para o aumento da força muscular e massa óssea. O risco de
lesões osteoarticulares em crianças que realizam trabalhos de sobrecarga muscular é na
verdade menor do que o relacionado com esportes de contato, desde que seja realizado com
cargas submáximas sob supervisão profissional adequada. Em relação à flexibilidade,
seu treinamento deve envolver os principais movimentos articulares e ser realizado de
forma lenta até o ponto de ligeiro desconforto e então mantidos por cerca de 10 a 20
segundos.
RECOMENDAÇÕES
A implementação da atividade física
na infância e na adolescência deve ser considerada como prioridade em nossa sociedade.
Dessa forma, recomendamos que:
1) Os profissionais da área de saúde
devem combater o sedentarismo na infância e na adolescência, estimulando a prática
regular do exercício físico no cotidiano e/ou de forma estruturada através de
modalidades desportivas, mesmo na presença de doenças, visto que são raras as
contra-indicações absolutas ao exercício físico;
2) Os profissionais envolvidos com
crianças e adolescentes que praticam atividade física devem priorizar seus aspectos
lúdicos sobre os de competição e evitar a prática em temperaturas extremas;
3) A educação física escolar bem
aplicada deve ser considerada essencial e parte indissociável do processo global de
educação das crianças e adolescentes;
4) Os governos, em seus diversos
níveis, as entidades profissionais e científicas e os meios de comunicação devem
considerar a atividade física na criança e no adolescente como uma questão de saúde
pública, divulgando esse tipo de informação e implementando programas para a prática
orientada de exercício físico.
REFERÊNCIAS RECOMENDADAS
1. American Academy of
Pediatrics Committees on Sports Medicine and School Health. Physical fitness and the
schools. Pediatrics 1987;80: 449-50.
2. American College of Sports Medicine. Opinion statement on physical fitness in
children and youth. Med Sci Sports Exerc 1988;20:422-3.
3. Caspersen CJ, Nixon PA, Durant RH. Physical activity epidemiology applied to
children and adolescents. In: Holloszy JO, editor. Exerc Sport Sci Rev
1998;26:341-403.
4. Chan K-M, Micheli LJ, editor. Sports and children. Hong Kong: Williams &
Wilkins, 1998.
5. Confederación Panamericana de Medicina del Deporte. Physical activity and
health in the children of the Americas / Atividad física y salud en los niños de las
Americas. Boletin COPAMEDE 1997;1:3.
6. Fédération Internacionale de Médecine Sportive. FIMS Consensus Statement on
Organized Sports for Children. In: Chan K-M, Micheli LJ, editor. Sports and children. Hong
Kong: Williams & Wilkins, 1998.
7. Pate RR. Physical activity in children and adolescents. In: Leon AS, editor.
Physical activity and cardiovascular health - a national consensus. Champaign: Human
Kinetics, 1997.
8. Sallis JF, Patrick K. Physical activity guidelines for adolescents: Consensus
statement. Ped Exerc Sci 1994;6:302-14.
9. U.S. Department of Health and Human Services. Physical activity and health: a
report of the Surgeon General. Atlanta, GA: U.S. Department of Health and Human Services,
Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Chronic Disease Prevention
and Health Promotion, 1996.
10. U.S. National Institutes of Health. Physical activity and cardiovascular
health. NIH Consensus Development Panel on Physical Activity and Cardiovascular Health.
JAMA 1996;276:241-6.
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ou/or Editora Redprint >
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