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Dor - Mensuração

O grande desafio do combate à dor inicia-se na sua mensuração, já que a dor é, antes de tudo, subjetiva, variando individualmente em função de vivências culturais, emocionais e ambientais.
        Torna-se necessária uma abordagem multidimensional na avaliação dos atributos da dor, os quais incluem intensidade, duração e localização da dor, características somatossensoriais e emocionais que a acompanham.
        A avaliação dor/sofrimento é sempre necessária, não só para a escolha da forma mais adequada para o controle álgico em cada caso, como também detectando a necessidade de suporte psicológico específico.

Uma característica importante do paciente submetido cronicamente a dor é uma espécie de "adequação comportamental" ao sofrimento, o que costuma confundir em muito as pessoas que o cercam, às vezes gerando dúvidas quanto a real presença da dor, o que forma um paradigma:

        os mecanismos de defesa emocionais desenvolvidos pelo paciente para suportar a dor fazem seus cuidadores desconfiarem de sua existência.

        Essa realidade mostra a dificuldade na avaliação da dor, desenvolvendo-se várias escalas tentando objetivar características subjetivas, que inclusive, variam em função da idade do paciente com dor, nível cultural e grupos etno-culturais.

        Em crianças que já atingiram fase de verbalização, até os dois anos de idade, consegue-se obter o relato de existência da dor, mas não de sua intensidade. Na fase pré-escolar, é necessário extrema paciência para que a criança relate sua dor, pois existe uma tendência a negá-la, especialmente por medo de que o seu tratamento inclua a dor de medicações injetáveis, ou mesmo o medo de internação hospitalar. Nestes casos, métodos lúdicos como jogos, desenhos e brincadeiras durante a consulta médica encorajam a criança a dizer o que sente. Esta realidade não é muito diferente do idoso, que teme admitir sua dor e torna-se um "incômodo" aos seus cuidadores, com o risco do abandono e o medo do exílio de suas famílias em função de internação hospitalar, ou em casas de repouso.

        Realidades específicas de nossa população, como o alto índice de analfabetismo, fazem com que formas simples de avaliação da dor, como graduar sua intensidade de zero a dez, torna-se um verdadeiro martírio para o paciente e o examinador. O estabelecimento de uma relação médico-paciente hormoniosa já na primeira consulta impedindo-se qualquer sentimento de animoisidade prévio trazido de ambas as partes, em situações de transferência ou contra-transferência tão comuns em áreas que lidam com o sofrimento crônico, torne-se fundamental na terapêutica da dor, e é muitas vezes o que determina um tratamento bem sucedido.

Escalas de Avaliação

        Os instrumentos para mensurar a dor podem ser unidimensionais ou multidimensionais
Escalas unidimensionais avaliam somente uma das dimensões da experiência dolorosa, e dentre as mais usadas, destacam-se as Escala Visual Numérica (EVN), graduada de zero a dez, nas quais zero significa ausência de dor e dez, a pior dor imáginável; e a Escala Visual Analógica (EVA), que consiste de uma linha reta, não numerada, indicando-se em uma extremidade a marcação de "ausência de dor", e na outra, "pior dor imaginável". Sem dúvida, ambas escalas têm a vantagem de facilitar o contato médico-paciente, ao compartilhar-se a intensidade da dor, e ao paciente um instrumento para "se fazer entender".
        Artifícios muito usados na mensuração da dor, é tentar comparar a intensidade da experiência álgica e exemplos da vida diária do paciente, pois a sua familiaridade com esta realidade estabelece cumplicidade suficiente entre avaliador e avaliado, fazendo com que o paciente perceba o quanto tentamos entendê-los como indivíduo, e não como um dado padronizado. A partir daí, transpomos esta informação para as escalas unidimensionais, e obtemos uma graduação específica.

        Um dos artifícios mais utilizados nestes casos é a graduação da intensidade da dor através de um copo com água, sendo o copo vazio equivalente a dor zero e o copo transbordando, equivalente a dor dez, e entregamos uma jarra com água para que o paciente "nos mostre sua dor". Volumes intermediários de água no copo são transponíveis aos valores de 1 a 9. Para pacientes com boa capacidade de abstração, bem como portadores de deficiências visuais ou motoras que incapacitem o uso da "escala do copo de água", usamos a graduação através de frutas, ao questionamento direto da relação tamanho da fruta em função da intensidade dor: uma dor "tão pequena" quanto uma uva ou tão grande quando uma melância, e sugerimos que gradue sua dor com o tamanho de uma fruta compatível com sua intensidade.

        Ambos artifícios também são usados para mensuração de dor em crianças, além de um específico: mensuração através das mãos em oração (Escala das mãos) que consiste em um artifício muito simples: a criança é orientada a colocar as mãos em posição de oração, e afastá-las gruduando a intensidade da sua dor, sendo zero a posição inicial, e dez, o máximo que seus braços conseguem distanciar do ponto de inicial. A graduação é feita através de aferição por fita métrica, proporcionalmente em centímetros e transponível para uma escala de zero a dez.

        Outra forma de graduação da dor baseia-se na avaliação comportamental do paciente através da Escala Comportamental (EC). Ao comportamento álgico é atribuído uma nota, questionando-se diretamente ao paciente sua lembrança da dor em função de suas atividades da vida diária, sendo:

Nota zero Dor ausente ou sem dor
Nota três Dor presente, havendo períodos em que é esquecida
Nota seis A dor não é esquecida, mas não impede exercer atividades da vida diária
Nota oito A dor não é esquecida, e atrapalha todas as atividades da vida diária, exceto alimentação e higiene
Nota dez A dor persiste mesmo em repouso, está presente e não pode ser ignorada, sendo o repouso imperativo


        Este tipo de escala permite ao terapeuta da dor uma informação fidedigna da realidade diária do paciente, que pode inclusive ser fornecida pelo próprio cuidador, contribuindo para ajustes medicamentosos específicos. Muitas vezes, dados conflitantes como valor de EVN alto e EC baixo (ou vice-versa) sinalizam a possibilidade de comorbidade associada, ou mesmo de possível ganho secundário, fazendo com que a terapêutica do paciente seja revista.

        No entanto, a experiência dolorosa não se restringe apenas a sua intensidade, sendo muito mais ampla.
        Há 3 dimensões da dor a serem consideradas: a sensiorial-discriminativa, a motivacional-afetiva e a cognitiva-avaliativa, todas sustentadas por sistemas fisiologicamente especializados no Sistema Nervoso Central (SNC). A necessidade de abrangência desta realidade fez surgirem as escalas multidimensionais para a avaliação da dor.
        O questionário de dor mais largamente utilizado foi o desenvolvimento pelo Dr. Melzack, da Universidade Mcgill, que consta de uma relação de 87 descritores das qualidades sensoriais da dor de um paciente e das emoções correspondentes, além do desenho do corpo, no qual o paciente assinala a localização da dor, e de uma escala de intensidade da dor.
        A qualidade sensorial da dor refere-se a característica de tempo, espaço, pressão e temperatura. Avaliações do componente afetivo abrangem termos como tensão, medo e expressões neurovegetativas que compõem a experiência dolorosa. Já os descritores da classe avaliativa permitem a avaliação global da experiência dolorosa.
        É interessante que cada subgrupo é composto por um conjunto de palavras qualitativamente similares, mas com nuances que as tornam diferentes em termos de intensidade, e, a partir dos descritores escolhidos pelo paciente, obtêm-se aos seguintes índices:
- Índice quantitativo da dor, obtido através da somatória dos valores de intensidade dos descritores escolhidos.
- Índice do número de palavras escolhidas.

        Estes índices podem ser obtidos para o questionário como um todo ou para um dos 4 componentes do inventário: sensitivo, afetivo, avaliativo e subgrupos da miscelânea, contribuindo para o melhor entendimento específico de um desses aspectos álgicos. O inventário McGill contém ainda uma escala de intensidade e outros itens para determinar o local, a duração e outras características da dor.
        A partir do inventário McGill, propostas de novos instrumentos avaliativos da dor foram criadas, destacando-se o "Wisconsin Brief Pain Questionnaire" e o "Memorial Pan Assessment Card". Sem dúvida, a contribuição mais significativa do Questionário Wisconsin foi o acréscimo da avaliação do impacto da dor nas atividades da vida diária, como humor, relacionamento interpessoal, habilidade de caminhar, sono, trabalho e avaliação da vida.
Já o cartão para avaliar a dor do "Memorial Card", em forma de cubo, é composto por 3 escalas análogo-visuais, que medem humor, intensidade da dor e alívio obtido, sendo a intensidade da dor mensurada através de 8 descritores que variam os extremos de ausência de dor insuportável. A principal vantagem deste instrumento é a rapidez de sua aplicação.

        Uma crítica aos instrumentos de avaliação multidimensional da dor é justamente ao fato de serem instrumentos complexos, de difícil aplicação na prática clínica e de entendimento pelo paciente.
        Sem dúvida, o objetivo destas tentativas de mensuração nada mais é do que uma forma de obtenção de um dado que nos ajude a controlar a dor do paciente, e que seja reprodução a longo prazo, para que se torne um parâmetro de seu controle antálgico.
Julgamos que o ideal na tentativa de mensuração do paciente com dor seria o uso de mais de um instrumento avaliativo concomitante, até mesmo para obtenção de maior abrangência de informações álgicas, e, ao mesmo tempo, como conferência das informações obtidas.

Escolha de um Instrumentos de Medida da Dor

        A escolha de um instrumento para mensurar a dor deve, antes de tudo, ser de fácil aplicabilidade e adequar-se ao nível de compreensão do paciente. Oferecer ao paciente uma "linguagem" para se fazer ser bem compreendido é muitas vezes o "elo" que falta entre o cuidador e a equipe de terapeutas da dor, uma vez que o cuidador, muito comumente, assume a função de "filtro" do paciente, que torna-se indefeso ao seu julgamento. Um exemplo comum deste fato é traduzido pelo "poder" de julgamento a que o cuidador tem direito, ao ser prescrita medicação com a condição de ser administrada "se necessário".
        É comum que o cuidador não julgue "necessário" administrar a medicação solicitada pelo paciente, ou mesmo que se utilize de alguma substância desprovida de atividade analgésica, tentando "enganar" (ou "testar") o paciente, para averiguar se o mesmo ainda reclamará de dor. Nesses casos, cerca de 40 a 50% dos pacientes realmente apresentarão suas dores melhoradas ou resolvidas, o que, se pela avaliação leiga do cuidador pode ser interpretado como "manipulação" ou "dependência da medicação", é explicado cientificamente pelo que chamamos de efeito placebo, isto é, a confiança do paciente no médico e/ou cuidador é tão plena que o simples fato de oferecimento de um "remédio" (mesmo que desprovido de atividade analgésica) libera substâncias que o próprio organismo do paciente produz, como por exemplo as endorfinas, suficientes para alívio álgico imediato. Muitas vezes, o medo da injeção de medicamento através de uma agulha ou mesmo o sofrimento antecipado gerado pela expectativa de ser submetido a procedimento específico de combate a dor pode gerar seu alívio, através da chamada "analgesia de stress". Nestes casos, a substância que o corpo produziu para gerar analgesia foi a adrenalina.

        Os instrumentos para mensurar a dor podem ser uni ou multidimensionais.
        As Escalas de intensidade pertencem ao primeiro grupo, pois avaliam somente uma das dimensões da experiência dolorosa. Destacam-se, entre as escalas unidimensionais, a Escala Numérica, graduada de 0 a 10, onde 0 significa ausência de dor e 10 significa a pior dor imaginável, e a Escala Visual Analógica, que consiste de uma linha reta, não numerada, com indicações de "sem dor" e "pior dor imaginável" nas extremidades. No entanto, a experiência dolorosa é evento muito mais amplo, não se resumindo apenas a intensidade.
Classicamente, considera-se 3 dimensões de dor: a sensorial-discriminativa, a motivacional-afetiva e a cognitiva-avaliativa, avaliadas em escalas chamadas multidimensionais (ex.: "Inventário para dor Mcgill" , "Wisconsin Brief Pain Questionnaire") mas que em função de sua elevada complexidade e difícil aplicabilidade/reprodutividade, têm seu uso restrito para situações específicas.

Escalas Unidimensionais de Dor

        I - ESCALA VERBAL - NUMÉRICA: O doente é informado sobre a necessidade dele classificar sua dor em notas que variam de 0 a 10, de acordo com a intensidade da sensação. Nota zero corresponderia a ausência de dor, enquanto nota 10 a maior intensidade imaginável. Na prática, a nota 10 seria virtual.

        II - ESCALA VISUAL-NUMÉRICA: As explicações são as mesmas da escala anterior, acrescidas da escala concreta impressa abaixo, onde o doente localizará espacialmente a intensidade de sua dor com uma marca.
 

Ex: 0__1__2__3__4__5__6__7__8__9__10

CLASSIFICAÇÃO DA DOR:
  • Zero (0) = Ausência de Dor
  • Um a Três (1 a 3) = Dor de fraca intensidade.
  • Quatro a Seis (4 a 6) = Dor de intensidade moderada.
  • Sete a Nove (7 a 9) = Dor de forte intensidade.
  • Dez (10) = Dor de intensidade insuportável.

        III- ESCALA VISUAL-ANALÓGICA: Esta escala submete ao doente uma linha não graduada cujas extremidades correspondem a ausência de dor, em geral situada na extremidade inferior, nas dispostas verticalmente, e à esquerda, naquelas dispostas horizontalmente; e a pior dor imaginável, nas extremidades opostas, conforme o exemplo abaixo.

Referências Bibliográficas

  1. Dicionário Médico - Stedman, 25 edição, editora Guanabara-Koogan.
  2. Bases da Oncologia - Brentani M.M, Coelho F.R.G, Iyeyasu H, Kowalski L.P, 1998, editora Lemar.
  3. Opiáceos, O estado da arte - Editor: José Oswaldo de Oliveira Júnior, 1ª edição, editora Lemar.
  4. Guia Prático para o tratamento da dor oncológica - Schoeller M.T, 2ª edição, Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.
  5. Dor Crônica - Clínicas Médicas da América do Norte (maio / 1999) - Editor convidado: Gallagher, MD, MPH - Reichmann & Affonso Editores.
  6. BONICA, J.J. - The management of pain. Philadelphia, Lea e Febiger, 1990.
  7. OLIVEIRA JR, J.O - Dor Oncológica. Acta Oncol. Bras., 14:11-5, 1994.
  8. WALL, P.D & MELZACK, R - Textbook of pain. Churchill-Livingstone, Edinburgh, 1990.

Fonte: Fundação Antonio Prudente, Centro de Tratamento e Pesquisa do Hospital do Câncer
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Data da Publicação: 28/01/2002

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