Esquistossomose Mansônica
1. Aspectos Clínicos
Descrição: a maioria das pessoas
infectadas podem permanecer assintomáticas dependendo da intensidade da infecção; a
sintomatologia clínica corresponde ao estágio de desenvolvimento do parasito no
hospedeiro, podendo ser dividida em:
Dermatite Cercariana:
corresponde à fase de penetração das larvas (cercárias) através da pele. Varia desde
quadro assintomático até a apresentação de quadro clínico de dermatite urticariforme,
com erupção papular, eritema, edema e prurido, podendo durar até 05 dias após a
infecção.
Esquistossomose Aguda ou
Febre de Katayama: após 3 a 7 semanas de exposição pode aparecer quadro
caracterizado por febre, anorexia, dor abdominal e cefaléia. Com menor freqüência, o
paciente pode referir diarréia, náuseas, vômitos, tosse seca. Ao exame físico pode ser
encontrado hepato-esplenomegalia. Laboratorialmente, o achado da eosinofilia elevada é
bastante sugestivo quando associado a dados epidemiológicos.
Esquistossomose Crônica:
esta fase inicia-se a partir dos 06 meses após a infecção, podendo durar vários anos.
Nela, podem surgir os sinais de progressão da doença para diversos órgãos, podendo
atingir graus extremos de severidade como: hipertensão pulmonar e portal, ascite, ruptura
de varizes do esôfago. As manifestações clínicas variam, dependendo da localização e
intensidade do parasitismo, da capacidade de resposta do indivíduo ou do tratamento
instituído. Apresenta-se por qualquer das seguintes formas:
Tipo I ou Forma Intestinal: caracteriza-se por
diarréias repetidas que podem ser muco-sangüinolentas, com dor ou desconforto abdominal.
Porém, pode apresentar-se assintomática.
Tipo II ou Forma Hepatointestinal: caracterizada
pela presença de diarréias e epigastralgia. Ao exame físico, o paciente apresenta
hepatomegalia, podendo-se notar, à palpação, nodulações que correspondem a áreas de
fibrose decorrentes de granulomatose peri-portal ou fibrose de Symmers, nas fases mais
avançadas dessa forma clínica.
Tipo III ou Forma Hepatoesplênica Compensada:
caracterizada pela presença de hepato-esplenomegalia. As lesões perivasculares
intra-hepáticas são em quantidade suficiente para gerar transtornos na circulação
portal, com certo grau de hipertensão que provoca congestão passiva do baço. Nessa fase
inicia-se a formação de circulação colateral e de varizes do esôfago, com o
comprometimento do estado geral do paciente.
Tipo IV ou Forma Hepatoesplênica Descompensada:
inclui as formas mais graves de Esquistossomose mansônica, responsáveis pelo obituário
por essa causa específica. Caracteriza-se por fígado volumoso ou já contraído pela
fibrose perivascular, esplenomegalia avantajada, ascite, circulação colateral, varizes
do esôfago, hematêmese, anemia acentuada, desnutrição e quadro de hiperesplenismo.
Podem ser consideradas ainda, como formas particulares, as formas pulmonar e
cárdio-pulmonar, verificadas em estágios avançados da doença. Predomina uma
arteriolite obstrutiva, que ocasiona cor pulmonale crônica, insuficiência cardíaca
direita e perturbações respiratórias severas. Outra forma importante a ser considerada
é a neuroesquistossomose.
Diagnóstico Diferencial: a forma intestinal pode
ser confundida com amebíase, gastroenterite, ou outras causas de diarréia. As formas
mais graves devem ser diferenciadas de:
leishmaniose visceral;
febre tifóide;
linfoma; e
hepatoma.
Complicações: a principal complicação da
esquistossomose mansônica é a hipertensão portal nos casos avançados que se
caracteriza pelas hemorragias, ascites, edemas e insuficiência hepática severa. Estes
casos, a despeito do tratamento, quase sempre evoluem para o óbito.
Tratamento: a droga de escolha é o Oxamniquine.
Efeitos colaterais: podem aparecer tonturas e, com
menor freqüência, náuseas, vômitos, cefaléia, sonolência, urina alaranjada.
Contra-indicações: história prévia de
convulsões, gravidez, debilidade física grave. A importância do tratamento reside não
só no fato de diminuir a carga parasitária dos pacientes, como, principalmente, impedir
a evolução para formas graves. Existem trabalhos demonstrando que a quimioterapia
também reduz a hepato-esplenomegalia previamente instalada. O outro medicamento
atualmente em uso é o praziquantel. A apresentação indicada é a de comprimidos de 600
mg divisível em duas partes iguais, de modo a facilitar a adequação da dose. A dosagem
recomendada é de 60 mg/kg de peso para crianças com até 15 anos e 50mg/kg de peso para
adultos, ambos em dose única.
2. Aspectos Epidemiológicos
A Esquistossomose Mansônica é uma endemia importante no
Brasil, causada por parasito trematódeo digenético (Schistosoma mansoni), que requer
caramujos de água doce, parada ou com pouca correnteza, como hospedeiros intermediários
para completar o seu ciclo de desenvolvimento. A magnitude de sua prevalência e a
severidade das formas clínicas complicadas conferem à Esquistossomose uma grande
transcendência. No entanto, é uma endemia de fácil manejo e controlável, com grau de
vulnerabilidade satisfatório para as ações de saúde pública.
Agente Etiológico: o agente etiológico é o
Schistosoma mansoni, trematódeo, da família Schistosomatidae, gênero Schistosoma, cuja
principal característica é o seu dimorfismo sexual quando adulto.
Reservatório: o homem é o reservatório
principal. Roedores, primatas, marsupiais são experimentalmente infectados pelo
S.mansoni, o camundongo e o hamster são excelentes hospedeiros. No Brasil, foram
encontrados naturalmente infectados alguns roedores, marsupiais, carnívoros silvestres e
ruminantes. Ainda não está bem definida a participação desses animais na transmissão
da doença.
Hospedeiros Intermediários: a transmissão da
doença numa região depende da existência dos hospedeiros intermediários que, no
Brasil, são caramujos do gênero Biomphalaria. A B. glabrata é o vetor mais importante.
Sua distribuição abrange os estados de Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Espírito
Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí,
Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe. A B.
tenagophila é freqüentemente sulina, sua distribuição atinge os estados de Alagoas,
Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais,
Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Sergipe. A B.
straminea tem distribuição mais extensa, e está presente em todos os sistemas de
drenagem do território brasileiro, sendo a espécie importante na transmissão da
esquistossomose no Nordeste do Brasil. Ocorre nos estads do Acre, Alagoas, Amazonas,
Bahia, Distrito Federal, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul,
Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio
Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.
Modo de Transmissão: os ovos do S. mansoni são
eliminados pelas fezes do hospedeiro infectado (homem). Na água, estes eclodem, liberando
uma larva ciliada denominada miracídio, a qual infecta o caramujo. Após 4 a 6 semanas,
abandonam o caramujo, na forma de cercária que ficam livres nas águas naturais. O
contato humano com águas infectadas pelas cercárias é a maneira pela qual o indivíduo
adquire a esquistossomose.
Período de Incubação: em média, de 2 a 6 semanas após
a infecção.
Período de Transmissibilidade: a partir de 5
semanas, após a infecção, o homem pode eliminar ovos de S. mansoni viáveis nas fezes,
permanecendo assim por muitos anos.
Suscetibilidade e Imunidade: a suscetibilidade
humana é universal. A imunidade absoluta é desconhecida; no entanto, a diminuição da
intensidade e da incidência observadas em idosos residentes em áreas endêmicas tem sido
atribuída ao desenvolvimento de resistência contra o agente. Apesar disto, o
desen-volvimento de imunidade como conseqüência à infecção ainda não está bem
definida.
Distribuição, Morbidade, Mortalidade e Letalidade:
no mundo, estima-se a existência de 200 milhões de pessoas infectadas, estando 600
milhões sob risco. O S. mansoni é endêmico em 52 países e territórios, distribuídos
na América do Sul, Caribe, África e Leste do Mediterrâneo, onde atinge as regiões do
Delta do Nilo, além dos países do Egito e Sudão. No Brasil, a área endêmica para
esquistossomose abrange 19 estados com aproximadamente 26 milhões de habitantes expostos
ao risco. Ocorre de forma endêmica e focal desde o estado do Maranhão até Minas Gerais,
com certa penetração no Estado do Espírito Santo; além disso, ocorrem exclusivamente
através de focos isolados nos estados do Pará, Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo,
Paraná, Santa Catarina, Goiás, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Em 1990,
aproximadamente 30 milhões de pessoas estavam sob o risco de adquirir esquistossomose no
país. O aparecimento de formas clínicas graves está relacionado à intensidade da
infecção. Após o advento da quimioterapia, e o seu uso na rotina do programa de
controle da esquistossomose, observou-se a redução destas formas. As principais causas
de óbito por esquistossomose estão relacionadas às formas clínicas graves. A
letalidade é baixa. Apesar de subestimada, a mortalidade por S. mansoni no Brasil, em
1995, foi estimada em 0,35 por 100.000 habitantes. Tem sido observado um declínio nessas
taxas, que passaram de 0,67, em 1977, para 0,35, em 1995.
3. Diagnóstico Laboratorial
O diagnóstico laboratorial é feito mediante a
realização do exame parasitológico de fezes, preferencialmente, através do método
Kato-Katz. Testes sorológicos não possuem sensibilidade ou especificidade suficiente
para aplicação, na rotina. A ultrassonografia hepática é de auxílio no diagnóstico
da fibrose de Symmers. A biópsia retal ou hepática, apesar de não estar indicada para
utilização na rotina, pode ser útil em casos suspeitos, na presença de exame
parasitológico de fezes negativo.
4. Medidas de Controle
Controle dos portadores:
Identificação e tratamento dos portadores de S.mansoni, através de inquéritos
coproscópicos; e
quimioterapia específica visando impedir o aparecimento de formas graves, pela redução
da carga parasitária.
Controle dos hospedeiros intermediários:
pesquisa
de coleções hídricas, para determinação do seu potencial de transmissão; e
tratamento químico de criadouros de importância epidemiológica.
Modificação
permanente das condições de transmissão:
educação em saúde e mobilização comunitária; e
saneamento ambiental nos focos de esquistossomose.
A coproscopia para a detecção dos indivíduos infectados
pelo S.mansoni e o conseqüente tratamento são medidas dirigidas de maneira direta e mais
imediata ao objetivo principal do Programa: controlar a morbidade, especialmente
prevenindo a evolução para as formas graves da doença. Essas ações de diagnóstico e
tratamento podem ser viabilizadas com ampla cobertura, devendo ser integradas também à
rotina dos serviços de atenção primária à saúde (Rede Básica de Saúde). As
operações de malacologia são de natureza complementar. Têm sua indicação nas
seguintes situações:
levantamento de áreas ainda não trabalhadas;
investigação e controle de focos;
áreas bem delimitadas de altas prevalências.
As ações de educação em saúde e mobilização
comunitária são muito importantes no controle da Esquistossomose, basicamente para a
efetivação de atitudes e práticas que modifiquem positivamente as condições
favorecedoras e mantenedoras da transmissão. As ações de saneamento ambiental são
reconhecidas como as de maior eficácia para a modificação em caráter permanente, das
condições de transmissão da Esquistossomose. Incluem:
coleta e
tratamento de dejetos;
abastecimento de água potável; hidráulica sanitária;
eliminação de coleções hídricas que sejam criadouros de moluscos.
Essas ações de saneamento deverão ser, o mais possível,
simplificadas, de baixo custo, a fim de serem realizadas em todas as áreas necessárias.
Fonte: Funasa
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